terça-feira, 13 de dezembro de 2022

MADAME OMBRELA E AS SOMBRAS NOTURNAS

Mama Ombrela, ou no aportuguesamento, a Mãe Sombria, é no mythos incorporado da Arte Erodiana, um espírito cuja presença causa uma espécie de torpor ou letargia, que para bruxa experiente, é de grande ajuda para se separar da matéria e viajar por diferentes mundos. Como senhora das areias do tempo, ela verte sobre nós os mais doces sonhos e os mais terríveis pesadelos, através dela também contemplamos a mais serena consciência de nossa existência multidimensional.


Seu nome vem do latim “Umbra”, sombra, nos dando o sentido de algo que oculta o sol, esse mesmo termo dá origem à palavra guarda-chuva em inglês (umbrella). A ideia do guarda-chuva como um instrumento para causar o sono é encontrada em diversas fontes, em especial no conto popular de Hans Christian Andersen, de 1841, Ole Lukøje, que nos conta sobre o espírito chamado de Sandman, senhor das areias do sono: “Não há ninguém no mundo que conheça tantas histórias quanto Ole-Luk-Oie, ou que possa contá-las tão bem. À noite, enquanto as crianças estão sentadas à mesa ou em suas cadeirinhas, ele sobe as escadas muito suavemente, pois anda de meias, depois abre as portas sem o menor ruído e joga uma pequena quantidade de muito poeira fina em seus olhos, apenas o suficiente para impedi-los de mantê-los abertos, e assim eles não o veem. Então ele rasteja atrás deles e sopra suavemente em seus pescoços, até que suas cabeças comecem a cair. Assim que adormecem, Ole-Luk-Oie senta-se na cama. Ele está bem vestido; seu casaco é feito de tecido de seda; é impossível dizer de que cor, pois muda de verde para vermelho e de vermelho para azul conforme ele gira de um lado para o outro. Sob cada braço ele carrega um guarda-chuva; um deles, com desenhos por dentro, ele espalha sobre os bons filhos, e então eles sonham as mais belas histórias a noite toda. Mas o outro guarda-chuva não tem desenhos, e este ele segura sobre as crianças travessas para que durmam pesadamente e acordem de manhã sem ter nenhum sonho.”


Na Itália antiga, encontramos o termo Mama Ombrella como um nome coletivo para uma grande gama de seres e espíritos noturnos que apesar de hoje caírem a classificação de estórias para crianças dormirem, foram no passado verdadeiros motivos de terrores. Entre as muitas Ombrelas temos a Ghulla, um espírito feminino assustador para crianças, mas que no passado, antes das áreas do desertos conhecerem Allah e seus seguidores, fora uma entidade poderosa, causadora de diversas desordens e cujo nome deu origem a palavra 'álcool' em nosso idioma.* Outra figura que age como uma Mama Ombrela é Erodia, que fora um dos nomes dado a deusa-bruxa no passado e que é fonte de inspiração da Arte Erodiana.


Mãe das Sombras Noturnas, Senhora dos Sonhos e Pesadelos, Professora dos Caminhos Ocultos e Guia da Noite Escura, são algumas de suas honrarias no caminho da Cova Negra, onde ela age como Iniciadora daqueles que tomam o caminho de fogo e sombras para realizar o casamento da alma com o sangue das bruxas. Ombrela é uma sombra que é lançada sobre nós, por vezes para nos proteger, outras para nos desviar do caminho. Como Sombra e Imagem, sua dança fantasmagórica nos faz nos perder em seu labirinto, podendo agir tanto como uma amiga quanto uma mãe severa que deseja manter seus filhos em seu cabresto eterno.


Ela rege desde o sono ao cochilo e seus filhos são os incubi e succubi, os sátiros e ninfas astrais que, através da obsessão do eu-solitário, levam terror e desejo à cama daqueles que dormem. Tomar do seu beijo pesado e envolvente e não deixar a exaustão tomar nosso corpo é uma das vias que leva ao Sabbat-feito-carne.



Scongiuro do Espelho


Boa noite, Madame Ombrella,

Senhora das Sombras,

Rainha da Noite e da Escuridão.

Venho te clamar por sua graça,

Pois sois a mãe de todos os espectros,

Fantasmas e Segredos.

Anseio por saber, conhecer e aprender,

Aceita-me em sua escola e permita-me

Ver no espelho suas maravilhas.




Michael Nefer






terça-feira, 20 de setembro de 2022

A ARTE DA BRUXARIA ERODIANA

A Bruxaria Erodiana é um caminho de bruxaria que tem Heródias, ou Aradia, como representação da luz rebelde da feitiçaria. Seja ela a Lâmia, a Coga, a Surbile, Circe, Medéia, Hécate, Diana, Lilith, ou tantas outras deusas de mundos anteriores, a bruxaria Erodiana vê nessas representações não só a diversidade do pensamento mágico e rebelde feminino, mas também o reconhecimento da existência das muitas escolas de bruxas.

Nossas práticas e crenças, casam com aquilo que foi denominado “Bruxaria Tradicional”. Grande parte do caminho é baseado no estudo dos escritos do mago e folclorista inglês Charles Leland, que em 1899 escreveu o Evangelho das Bruxas, contando as práticas e ritos de bruxas urbanas da Itália, porém diversos outros autores servem com igual importância a visão que buscamos manifestar, como Robert Cochrane, Andrew Chumbley, Spare, Peter Gray, entre outros. 

Apesar da Arte Erodiana ser baseada num escrito de origem italiana, ela não se limita ou restringe a região em que foi criada. Aradia é símbolo da liberdade e seus ensinamentos demonstram um pensamento anarquista que pode ser aplicado de diversas formas em qualquer lugar. Nosso foco jaz na busca da alteridade, isso é, o reconhecimento de que existem pessoas e culturas singulares e subjetivas que pensam, agem e entendem o mundo a sua própria maneira. Reconhecer a alteridade é o primeiro passo para a formação de uma sociedade justa, equilibrada, democrática e tolerante, onde todas e todos possam expressar-se, desde que respeitem também a alteridade alheia. 

Esse não é um caminho reconstrucionista, já que não buscamos reproduzir ritos de tempos que já passaram. Não vemos a necessidade de rituais para colheitas em um mundo onde poucos tem terras para tal feito. Nossa sociedade é urbana, trabalha por ofício, não acredita em sacerdotes e é dedicada a preservar e renovar o pensamento mágico de nosso legado.

Qualquer pessoa pode praticar a Arte da Bruxaria, independente de suas crenças religiosas, morais, políticas ou éticas, porém a Arte Erodiana sempre escolhe agir como um poder de equilíbrio onde quer que ela esteja, usando sua Arte e suas práticas espirituais rebeldes para ganhar poder e influenciar o seu mundo.

O caminho é assim denominado para se distinguir daquela visão moderna wiccana popular, que deturpou o sentido original dos escritos, muitas vezes removendo do contexto original ou aproximado para arenas de pensamento com as quais não tinham relação direta ou indireta.

Entre as práticas que unem o leque da feitiçaria Erodiana estão: a prática de necromancia, o voo noturno, o desenvolvimento da mente e do poder de influência, os ritos de mistério e a transmissão mágica textual. Estes não foram uma ordem a ser seguida, mas características comuns que são despertadas ao longo do curso de trabalho com Mama Ombrella e Erodia.


Michael Nefer




segunda-feira, 19 de setembro de 2022

PRAECATIO TERRAE MATRIS - A Súplica da Mãe Terra

Santa Deusa Terra, mãe da natureza, 
que sempre gerou e regenerou todas as coisas;
que assegura a vida das pessoas, árbitra divina,
celestial e marítima, tu reges todas as coisas,
és a causa pela qual a natureza se cala e dorme,
renovas a luz e dispersa a noite:
protetora das sombras de Dis* e do imenso caos;
és a geradora dos ventos, das chuvas, das tempestades,
e, por seu capricho, podes acalmar ou agitar as águas
e dissipar o sol, agitando às tempestades e,
quando bem desejar, faz aparecer aos nossos olhos
o mais radiante de todos os dias.

Com boa-fé alimentas à vida, e quando a alma do corpo esvair,
o nosso refúgio será dentro de ti: tudo o que nos dá, a ti há de retornar.
Você é honradamente chamada de Grande Mãe dos deuses,
pois sua devoção conquistou aos deuses divinos;
Você é verdadeiramente Mãe dos vivos e dos deuses;
sem você nada pode amadurecer e nascer;
você é grande, você é rainha e Deusa dos deuses.
Ó Deusa, eu adoro e invoco seu poder;
por favor, conceda-me o que lhe peço e lhe renderei minhas graças.
Sê tu propícia a minhas obras, eu imploro,
ó Deusa, interceda por mim.

Quaisquer que seja sua virtude, ó erva sagrada,
dê a todos saúde, eu imploro, me conceda seu remédio.
Venham a mim as virtudes de sua medicina,
pois seja o que for que eu faça de ti,
que eu tenha um bom resultado, garantindo saúde a todos
aqueles que recebam de mim suas virtudes.
Eu imploro, ó Deusa, me conceda sua bênção, eu te peço.

 

Pseudo-Apuleio Herbarius, 1487

Tradução por Michael Nefer | 19/09/2022


*Dis: ou Dis Pater, era o deus dos mortos, chamado também de Rex Infernalis.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

O CAMINHO DA SERPENTE: INICIAÇÃO NA COVA NEGRA

✠ ✠ ✠

A Congregação da Cova Negra é um caminho essencialmente solitário, assim como é a Bruxaria. Porém, é possível abordar essa via de aprendizado através de um formato coventicular, isso é, em grupo, de modo a trazer mais compreensão sobre a jornada mística do praticante. Cada célula de estudo da Cova Negra recebe o nome de Covato, palavra que designa um coletivo ou guilda de coveiros, e cada Covato é gerenciado por um Alcoviteiro, aquele que conhece os mistérios da Congregação da Cova Negra e que, portanto, é capaz de realizar corretamente os ritos do Missal dos Mortos.

Aqueles que desejam e anseiam pela comunidade na congregação, não encontrarão impedimentos para construir essa relação com base nas percepções do caminho dos Mortos. Essa via é sempre aberta para aqueles que portam os sinais enviado em sonhos pela Senhora ou Senhor dos Mortos. Esse sinal, que não deve ser revelado a aqueles que não conhecem a voz da Rainha Cadáver, é o elo que une a todos os que passam pela C.C.N. Numa ligação que vai além de toda e qualquer hierarquia, cada encontro é na verdade um reencontro. Seja como mestre ou aluno, voltamos a Cova para manifestar aquilo que descobrimos do outro lado: os tomos de sabedoria que jazem além de qualquer racionalização humana.

✠ ✠ ✠

Quando um buscador recebe em sonhos os sinais e nos comunicamos, uma vez aceito o convite, passaremos por uma longa jornada de aprendizado. Esses conhecimentos que vamos explorar, costumam dar ao buscador a sensação de "já ter vivido aquilo". Essa jornada de relembrar a essência que carregamos faz a semente interior explodir em chamas e se acender com força e vigor no peio do peregrino, dando a ele novamente a consciência do poder luminoso que ele carrega dentro de si. Cada aluno estudará somente com seu mestre, de modo que esse tenha real atenção sobre as necessidades de seu aluno. Uma vez aceito, a jornada procede de tal forma e aspecto:


1. O LUTO: O CASAMENTO DE FOGO E SOMBRAS

Consiste no ato introdutório de dedicação aos espíritos e deuses do caminho da Cova Negra. Esse rito é solitário (mesmo em congregação), e visa atrair e encantar os espíritos de modo que sejam chamados a nossa Arte, criando o elo espiritual necessário para se continuar. O Chamado Casamento de Fogo e Sombras, assim chamado por evocar a fumaça que dá forma aos espíritos, é a primeira de duas etapas. Com este rito forjamos a cama de amor que leva ao assassinato de nosso antigo "eu" para o esplendoroso batismo na Luz Negra da Rainha Cadáver. Essa etapa leva cerca de um mês e meio.


2. O VELÓRIO: A VIGÍLIA DOS MORTOS ANCESTRAIS

Velar significa Vigiar e essa é a segunda parte do ritual do casamento de Fogo e Sombras. Uma vez que o Peregrino tenha feito a correta aplicação do ritual anterior, ele passará pelo período de observação de antes de receber cada ritual seguinte. Através do correto uso desses ritos é concedida uma iniciação secreta através da aplicação do arcano. Essa etapa pode levar até cerca de um ano.


3. O ENTERRO: A PASSAGEM ENTRE A COVA E O ÚTERO

Um ano depois, aqueles que foram escolhidos pelos espíritos do caminho receberão em seus sonhos as mensagens para começar sua jornada apontando os caminhos a seguir depois. O Enterro é essencialmente o ato ritual de cavar um buraco na terra e cobri-lo com terra novamente, com este último ato a Cova então se torna tanto o sepulcro de morte, quanto berço do nascimento. No âmbito conventicular isso é: o buscador passou por todos os ritos centrais da Cova Negra e agora será apresentado diretamente aos espíritos de seu mestre.


4. A EXUMAÇÃO: A REVIVIFICAÇÃO DOS MORTOS

Após a finalização formal do Enterro é feito um este ritual o peregrino passa a ser formalmente um mestre Alcoviteiro, um membro reconhecido e aceito da congregação, capaz de ensinar essa Arte para aqueles que manifestarem os sinais. Neste período buscamos encontrar o Missal dos Mortos, o tomo da Arte Feitiçaria, para que a Gnose de Nosso Senhor Chifrudo e Nossa Rainha da Noite manifestem-se através do praticante - dando luz a nova carne: o relembrar de tudo o que já somos e sabemos na encruzilhada do passado, presente e futuro. Ritos de nascimento e de renascimento são vistos como eventos felizes pelas pessoas em geral, mas tratam-se de verdadeiras tragédias, cheias de dor e lágrimas, desde que renascer é literalmente esquecer, o que mantem a humanidade presa num ciclo sem fim. A Cova busca transcender esse estado de desconhecimento ao aceitar a morta como uma poderosa professora sobre a beleza da vida.

✠ ✠ ✠

Nenhuma dessas etapas deve ser uma obrigação ao mestre ou aluno, sendo preferível sempre seguir o que ditam os oráculos dos deuses e espíritos que podem ver além de tudo e o mais interior de todos. A Cova é um espírito e um coletivo de seres, por tanto é esperado que certos caminhos mudem, que certas trilhas se fechem e outras abram. Nossa arte é experimental, ousada e diversa, a cada pessoa que passa pela Congregação, um novo saber surge ou se renova.


Michael Nefer

27/04/2022

terça-feira, 1 de março de 2022

O CHAMADO DE NIKSAH - A ROSA DO DESEJO

Por Michael Nefer

Niksah, ou Qinasa, é reconhecida em nossa congregação como a mais doce e caprichosa das deusas e espíritos de nosso trabalho. Sua forma é a de uma mulher nua sentada em uma janela, atrás dela, chamas se espalham ao redor, revelando relances de um mundo inferior das destrutivas paixões ardentes. Sua tez é pálida como a dos mortos, uma vez que aquele que cai em suas artimanhas vira um morto vivo, servindo somente a sua vontade e designíos mais sombrios. Esse caminho, entre prazer e dor, abre com ela a via da Luxúria, a qual fomos ensinados a desviar uma vez que esse caminho leva a escuridão que há nela, a dor das paixões; no outro lado ela é perpetuadora do prazer, das alegrias, da felicidade e ajuda os que se amam a se unirem. 

Ela é similar em natureza com Libitina, a deusa do prazer e da morte dos antigos romanos, e até com a Afrodite Epitumba dos gregos, que se deitava sobre as covas. Ela é um espirito jovial, malicioso e malandro, mas de bom caráter, que ainda ensinará muito a aqueles que aprenderem a ouvir com atenção suas palavras. 


 O CHAMADO DE NIKSAH

Fazer fumigações com olibano, canela, ládano e mirra.


Três vezes bate o sino para o mistério dela.

(toque o sino três vezes)

Eu chamo teu nome secreto, ó Niksah, chama de todo desejo, dor e paixão,
Nascida das incandescentes brasas do coração daqueles que sofrem!

ERO SAH NIKSAH

És Branca como Lua mais alta, teus lábios são como rubis, teu brilho é puro desejo. Tua fornalha é perfumada com os doces aromas dos filtros de amor, sua pele tem o aroma das rosas e da noite.

Seus olhos são estrelas na noite, insondáveis, lançando sobre nossas almas teu fogo frio, estremecendo em cada veia de nosso corpo, atirando o meu espírito pelos ares, lançado entre mundos incognoscíveis.

ERO SAH NIKSAH

Teu sorriso, é chama mais fria que gela o coração e o faz bater em disparate. Tuas mãos fazem inundar o mundo e me lançam longe na eternidade num único movimento. 

Todo o meu corpo estremece de prazer e desejo, minha alma queima em sua presença. Esvazio meu corpo e mente e caio em seu abismo vazio, onde nada além do desejo existe, só tua gargalhada tempestuosa a nos fazer dançar para sempre em sua espiral de vento e chamas.

EKO EKO KINASAH
EKO EKO NIKSAH