quarta-feira, 5 de abril de 2023

Περσεφόνη Αφαρπάζω - Persefone Afarpázo


Perséfone é uma das divindades preeminentes dos Mistérios de Elêusis; seu culto começou em tempos pré-históricos, provavelmente, antes mesmo da criação dos deuses do Olimpo . Sua mãe fora Deméter, deusa da terra, ancestral direta das deusas da Lua e Terra, a portadora dos segredos femininos, tão temidos pelos homens. De outra parte, ela era filha de Zeus, senhor de todo o Olimpo e governante dos deuses. Não pretendo retomar o tema das lendas, deixo ao leitor a recomendação de ler as lendas de Perséfone antes de continuar esse texto.


Como a Diana romana, governava a fertilidade da natureza, sendo chamada de "aquela que abre o útero", mas acredita-se que isso seja uma infusão da filosofia de gênero cristã do século 18, quando diversas deusas virginais foram associadas à prostituição e ao amor sexual selvagem, podendo, por esta razão, ser confundida com a Afrodite inspirada em Ishtar, uma sedutora e imagem arquetípica da sexualidade e da habilidade feminina de provocar paixão e luxúria. Como a deusa do amor, ela evocava a masculinidade do homem, assim como sua dependência de seus instintos maternais, já como mãe intensificava sua natureza procriadora, garantia um parto fácil e seguro e o bom desempenho das funções maternas. A fertilidade terrestre era a especialidade de Perséfone, tendo imensa responsabilidade naquele que acontecia entre o solo abaixo de nossos pés e o reino do submundo, mas embora seja associada à fertilidade terrestre e com o submundo, a constelação de Virgem tem sido associada há muito tempo com ela e nela que descobrimos sua verdadeira natureza: que é celestial e ctônica. 


O nome de Perséfone é composto pelas partes "phero" e "phonos", que juntas significam "aquela que traz a destruição". Os romanos a chamavam de Proserpina, cujo significado é "a medrosa", mas esse nome parece estar ligado ao etrusco "phersu" e ao grego "prosopon", ambos significando "máscara". Perséfone é conhecida como a grande Kolyo. Além disso, o povo de Atenas a honrou com o título de Persephatta, que os gregos afirmam derivar de "ptersis" e "ephapto". Essas palavras juntas carregam um profundo significado de "aquela que restaura a destruição".


Ela é a personificação da primavera, a luz que irrompe após o inverno, e é por isso que se lhe atribui a virtude da virgindade, do frescor e da sutileza.  A ela pertence a verdadeira beleza, que fora associada erroneamente a Vênus, já que é Perséfone que mostra a verdadeira beleza para aqueles que passam pela sombria jornada da depressão, do sofrimento, da dor e da morte. Não há luz, sem escuridão. Perséfone é quem nos obriga a encarar nossas almas, é quem causa a dor no coração de quem tenta mudar mas continua a obter mais do mesmo. Ela é a chave de nossa liberdade e é a nossa cela, nela permanecemos até verdadeiramente renascermos em vida. Embora pouco explorado, o tema de estar aprisionado na cela de Perséfone encontra eco nas lendas e mitos que a cercam, e é possível encontrar a verdadeira essência desse fio condutor com um olhar atento.


De muitas maneiras, as lendas relatam como as pessoas são levadas para o submundo, e de como encontraram lá parentes ou amigos recentemente falecidos, que por vezes os alertam para não comerem neste lugar, já que partilhar daquele que pertence ao outro lado, te mantém preso lá.  Perséfone é chamada em diversas lendas de “a rainha das fadas”, “a terrível Perséfone”, a “rainha que governa sobre a morte e os mortos”. Esse tema é interessante quando olhamos sob a luz dos conhecimentos da ciência que esses reinos estão dentro de nós, em nossa psique e de todos aqueles que são governados pela psique helênica (todos os ocidentais). Se Perséfone rege o submundo, então ela rege também nosso subconsciente, enquanto Hades, o nosso inconsciente. Explorar o inconsciente como um observador é o que as lendas falam para nós, mas quando nos envolvemos com os conteúdos inconscientes de forma ativa, esses passam a popular nosso subconsciente e passam a contaminar o consciente com suas impressões e imagens. É nessas horas que Perséfone se faz presente para impedir uma dimensão de invadir a outra. Desse modo, ela é conciliadora, ela tranquiliza e conduz com maestria aquilo que está fora de seu lugar para onde deveria estar. Ela nos revela então seu maior segredo: não existe morte, só existe a vida, isto é, só existe beleza.


O domínio de Perséfone se estende ao submundo, onde os mortos são seus súditos, mas ela não concebe sua própria realidade dessa forma. A divindade vislumbra apenas a beleza da existência contínua e eterna. O conceito de belo ou feio carece de significado, e a distinção entre ricos e pobres não se aplica. Perséfone governa o reino daquilo que se segue, o que tanto tememos, mas que ela contempla como o movimento mais sublime do universo.


Como ela, somos todos os dias raptados ao submundo de nossas vontades, desejos, necessidades, anseios e preocupações, uma relação diferente com a morte, mas todos os dias matamos algo em nós. Esse mito também dá poder para a libertação de diversas mulheres que são violentadas e destruídas com a intrusão do masculino em seus mistérios sagrados ao resgatarem seus próprios mitos e lendas. Conhecer Perséfone não é o mesmo de conhecer uma lenda ou história, é uma iniciação para qualquer ser humano sobre como devemos chegar a um acordo com nosso próprio sofrimento, com a perda, a dor e a morte. 


Agora, como foi dito, o reino de Perséfone é mesmo dos mortos, aqueles que habitam debaixo da terra, que eram chamados com pancadas no chão, nos ritos de Perséfone, a dança também envia pisadas fortes sobre o chão, de modo a despertá-la onde quer que esteja nos prados inferiores. Durante seus ritos, todos usavam máscaras femininas e seus nomes eram trocados por nomes femininos, já que para entender esses mistérios era necessário adotar a perspectiva da mulher sobre o mundo.


O seguinte ritual visa servir a imaginação a despertar Perséfone e causar mudanças drásticas na sua vida. Sim, serão mudanças drásticas pois onde quer que você esteja, aquele que pedir ajuda dela e foi ouvido pela deusa, terá sua vida transformada, como se o universo te arrastasse para onde você deveria estar. Essa experiência aconteceu com diversas pessoas e elas me contaram sobre como o poder de Perséfone é derradeiro e sem igual, suas vidas foram tocadas pela deusa e puderam ver luz em suas vidas e mudanças em suas jornadas.


Antes do ritual procure coletar:


1 Pedaço de Papel branco

1 Pincel

Tinta vermelha

3 velas de qualquer cor

1 bacia que aguente fogo


Esse ritual não exige decorações, incensos ou itens especiais, mas você pode sentir necessidade de usá-los e recomendo que o faça conforme desejar pois isso irá enriquecer sua experiência, deixarei ao final uma tabela de recomendações.


Você deverá fechar todas as janelas do ambiente em que está de modo a nenhuma luz entrar no ambiente, para sua privacidade e para a correta encenação que fará o chamado psíquico de Perséfone.


Permita-se soltar os braços e pernas, procure um relaxamento total, você pode se deitar se preferir, mas fique quieto e só pense sobre o que você está para fazer e na importância do Perséfone, não precisa controlar a respiração, fechar os olhos, meditar, nem nada… somente pare de fazer qualquer coisa por cinco minutos, se precisar coloque um alarme de 6 minutos. 


Você pode colocar música para tocar, de preferência de origem grega, como o Hino Órfico de Perséfone ou a canção Hella do projeto musical Mother Destruction. Coloque uma canção e ouça ela no escuro, acenda uma vela e diga o mantra três vezes: Megala Thea Kouré, Karpoforos Diké!


Esse ritual exige que você por alguns momentos se permita ser bobo e dance enlouquecidamente, de modo que sinta vontade de fazê-lo, seja acompanhando algum instrumento da música ou se conectando com algo muito profundo seu, só permita seu corpo se mexer como se dançando no escuro ao lado de seus medos, de seus amigos, de seus parentes, das sombras do seu futuro e do seu passado. Seus pés batem ao chão, suas mãos voam pelo ar atingindo seus medos, sua garganta ruge como o leão para sua presa. Sua dança deve subir em energia até se alcançar um ponto de cansaço e fadiga. 


Quando exausto, caia ao chão e pegue o papel e tinta e escreva aquilo que mais te incomoda em sua vida, escreva com força e raiva de um guerreiro. Pegue o papel e queime, enquanto fita o fogo diga três vezes o mantra de Perséfone: Megala Thea Kouré, Karpoforos Diké!


Caso deseje, pode usar o cântico abaixo para enriquecer sua experiência ao final do ritual.



Cântico de Perséfone 


Eu chamo a ti, divina e poderosa,

Abençoada Rainha, Deusa Venerável,

És a fonte da vida, o poço mais profundo,

Muitas são suas formas, sua essência é a mais divina,

Iluminadora, tua veste é feita de estrelas,

És a mais fatal, Rainha do Inferno,

Mãe de nossos medos e anseios,

Com essa dança eu me oferto a ti!


És a produtora da Vida e a mão que ceifa,

Envia a tua abundância, me livra da miséria,

Afasta de mim a morte e espanta as sombras,

Para teu palácio, nos reinos inferiores,

Onde os espíritos felizes jazem,

Onde reina Hades, seu marido.



Jogue o resto de cinzas na privada, apague a vela se desejar. Não precisa jogar nada fora. Nem é necessário realizar esse rito com frequência, basta fazê-lo quando sentir necessidade.




Michael Nefer


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O MITO DA CRIAÇÃO


No começo havia somente o Um, 

uma face singular e hedionda

que ousou se manifestar contra o Abismo 

e proclamou: 'EU SOU'.


Mas o Abismo - sendo a própria Monada -  

não desejava abrigar esta entidade,

porque, a despeito de sua aparência medonha, 

a qualidade de sua luz era restrita.

Como resultado da rejeição do Abismo pelo Um, 

seu reflexo ganhou vida,

e foi nomeado 'O Mundo'.


Este reflexo assumiu a forma de um grande Espelho,

e se tornou o oposto do Um, 

contendo todo tipo de maravilhas.

Refletindo a emancipação do comum,

ele gerou essas transgressões chamadas 

de 'beleza' e 'feiura'.

É dito que se alguém olhar neste Espelho, 

irá conhecer todas as coisas.


Entre os tesouros do Espelho de Todas as Coisas,

o maior de todos eles era o Espírito,

que, através da Luz e do Desejo, 

permeou a Totalidade.

Por estranhos meios o Espelho estava 

repleto de um fogo

capaz de animar todas as coisas,

e tudo o que ele continha, 

se tornava real.


O Abismo, ao colocar os olhos sobre o 

Espelho de Todas as Coisas,

 imediatamente se apaixonou pela 

infinitude de suas maravilhas, 

pois o que antes era Desconhecido, 

agora tornava-se Manifesto, 

e a profusão de luz que foi liberado dela 

foi chamado de Êxtase. 

Neste momento de contemplação mutua, 

o próprio Coração do Espelho se manifestou 

em chamas, e seu corpo dourado assumiu 

uma grande estatura, 

até que abandonou sua habitação, 

lançando-se no Abismo.


Ao contemplar este milagre, o Um, 

tornou-se colérico e destruiu o Espelho, 

lançando seus fragmentos, 

cada um contendo uma parte 

da Virtude Primal, através da eternidade. 

Assim o Corpo do Espelho se dividiu, 

bem como seu Espirito, 

mas o Coração do Espelho, 

continuou protegido pelo Abismo, 

enquanto o Um continuou

 a forja de seu domínio astral de restos.


De um lado da Espada há aqueles que exaltam o Um.

Do outro lado há aqueles que silenciosamente 

coletam os cacos, e o trabalho deles consiste 

em 'recriar' o Espelho, ou "o Mundo", 

como era antes da divisão.


Ambos declaram ser "a Fé Verdadeira", 

e assim abdicaram do comando da Arte Mágica.


Há um terceiro grupo, 

obscuro e invisível aos olhos dos homens, 

eles caminham na noite, 

sobre o fio da lâmina da espada, 

comandando o poder de divisão e união.


Os cacos do Espelho são por eles moídos, 

até que se tornem milhões de corpos

formados pelo Espírito do Antigo Espelho. 

Este poder é dado pelo Coração do Espelho,

de uma pequena fração de luz, 

que pode iluminar e obscurecer.

Eles são conhecidos como 'as bruxas', 

ou 'heréticos'.


 Tradução Livre por Michael Nefer
Retirado do Dragon Book of Essex
de Andrew Chumbley

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

MADAME OMBRELA E AS SOMBRAS NOTURNAS

Mama Ombrela, ou no aportuguesamento, a Mãe Sombria, é no mythos incorporado da Arte Erodiana, um espírito cuja presença causa uma espécie de torpor ou letargia, que para bruxa experiente, é de grande ajuda para se separar da matéria e viajar por diferentes mundos. Como senhora das areias do tempo, ela verte sobre nós os mais doces sonhos e os mais terríveis pesadelos, através dela também contemplamos a mais serena consciência de nossa existência multidimensional.


Seu nome vem do latim “Umbra”, sombra, nos dando o sentido de algo que oculta o sol, esse mesmo termo dá origem à palavra guarda-chuva em inglês (umbrella). A ideia do guarda-chuva como um instrumento para causar o sono é encontrada em diversas fontes, em especial no conto popular de Hans Christian Andersen, de 1841, Ole Lukøje, que nos conta sobre o espírito chamado de Sandman, senhor das areias do sono: “Não há ninguém no mundo que conheça tantas histórias quanto Ole-Luk-Oie, ou que possa contá-las tão bem. À noite, enquanto as crianças estão sentadas à mesa ou em suas cadeirinhas, ele sobe as escadas muito suavemente, pois anda de meias, depois abre as portas sem o menor ruído e joga uma pequena quantidade de muito poeira fina em seus olhos, apenas o suficiente para impedi-los de mantê-los abertos, e assim eles não o veem. Então ele rasteja atrás deles e sopra suavemente em seus pescoços, até que suas cabeças comecem a cair. Assim que adormecem, Ole-Luk-Oie senta-se na cama. Ele está bem vestido; seu casaco é feito de tecido de seda; é impossível dizer de que cor, pois muda de verde para vermelho e de vermelho para azul conforme ele gira de um lado para o outro. Sob cada braço ele carrega um guarda-chuva; um deles, com desenhos por dentro, ele espalha sobre os bons filhos, e então eles sonham as mais belas histórias a noite toda. Mas o outro guarda-chuva não tem desenhos, e este ele segura sobre as crianças travessas para que durmam pesadamente e acordem de manhã sem ter nenhum sonho.”


Na Itália antiga, encontramos o termo Mama Ombrella como um nome coletivo para uma grande gama de seres e espíritos noturnos que apesar de hoje caírem a classificação de estórias para crianças dormirem, foram no passado verdadeiros motivos de terrores. Entre as muitas Ombrelas temos a Ghulla, um espírito feminino assustador para crianças, mas que no passado, antes das áreas do desertos conhecerem Allah e seus seguidores, fora uma entidade poderosa, causadora de diversas desordens e cujo nome deu origem a palavra 'álcool' em nosso idioma.* Outra figura que age como uma Mama Ombrela é Erodia, que fora um dos nomes dado a deusa-bruxa no passado e que é fonte de inspiração da Arte Erodiana.


Mãe das Sombras Noturnas, Senhora dos Sonhos e Pesadelos, Professora dos Caminhos Ocultos e Guia da Noite Escura, são algumas de suas honrarias no caminho da Cova Negra, onde ela age como Iniciadora daqueles que tomam o caminho de fogo e sombras para realizar o casamento da alma com o sangue das bruxas. Ombrela é uma sombra que é lançada sobre nós, por vezes para nos proteger, outras para nos desviar do caminho. Como Sombra e Imagem, sua dança fantasmagórica nos faz nos perder em seu labirinto, podendo agir tanto como uma amiga quanto uma mãe severa que deseja manter seus filhos em seu cabresto eterno.


Ela rege desde o sono ao cochilo e seus filhos são os incubi e succubi, os sátiros e ninfas astrais que, através da obsessão do eu-solitário, levam terror e desejo à cama daqueles que dormem. Tomar do seu beijo pesado e envolvente e não deixar a exaustão tomar nosso corpo é uma das vias que leva ao Sabbat-feito-carne.



Scongiuro do Espelho


Boa noite, Madame Ombrella,

Senhora das Sombras,

Rainha da Noite e da Escuridão.

Venho te clamar por sua graça,

Pois sois a mãe de todos os espectros,

Fantasmas e Segredos.

Anseio por saber, conhecer e aprender,

Aceita-me em sua escola e permita-me

Ver no espelho suas maravilhas.




Michael Nefer






terça-feira, 20 de setembro de 2022

A ARTE DA BRUXARIA ERODIANA

A Bruxaria Erodiana é um caminho de bruxaria que tem Heródias, ou Aradia, como representação da luz rebelde da feitiçaria. Seja ela a Lâmia, a Coga, a Surbile, Circe, Medéia, Hécate, Diana, Lilith, ou tantas outras deusas de mundos anteriores, a bruxaria Erodiana vê nessas representações não só a diversidade do pensamento mágico e rebelde feminino, mas também o reconhecimento da existência das muitas escolas de bruxas.

Nossas práticas e crenças, casam com aquilo que foi denominado “Bruxaria Tradicional”. Grande parte do caminho é baseado no estudo dos escritos do mago e folclorista inglês Charles Leland, que em 1899 escreveu o Evangelho das Bruxas, contando as práticas e ritos de bruxas urbanas da Itália, porém diversos outros autores servem com igual importância a visão que buscamos manifestar, como Robert Cochrane, Andrew Chumbley, Spare, Peter Gray, entre outros. 

Apesar da Arte Erodiana ser baseada num escrito de origem italiana, ela não se limita ou restringe a região em que foi criada. Aradia é símbolo da liberdade e seus ensinamentos demonstram um pensamento anarquista que pode ser aplicado de diversas formas em qualquer lugar. Nosso foco jaz na busca da alteridade, isso é, o reconhecimento de que existem pessoas e culturas singulares e subjetivas que pensam, agem e entendem o mundo a sua própria maneira. Reconhecer a alteridade é o primeiro passo para a formação de uma sociedade justa, equilibrada, democrática e tolerante, onde todas e todos possam expressar-se, desde que respeitem também a alteridade alheia. 

Esse não é um caminho reconstrucionista, já que não buscamos reproduzir ritos de tempos que já passaram. Não vemos a necessidade de rituais para colheitas em um mundo onde poucos tem terras para tal feito. Nossa sociedade é urbana, trabalha por ofício, não acredita em sacerdotes e é dedicada a preservar e renovar o pensamento mágico de nosso legado.

Qualquer pessoa pode praticar a Arte da Bruxaria, independente de suas crenças religiosas, morais, políticas ou éticas, porém a Arte Erodiana sempre escolhe agir como um poder de equilíbrio onde quer que ela esteja, usando sua Arte e suas práticas espirituais rebeldes para ganhar poder e influenciar o seu mundo.

O caminho é assim denominado para se distinguir daquela visão moderna wiccana popular, que deturpou o sentido original dos escritos, muitas vezes removendo do contexto original ou aproximado para arenas de pensamento com as quais não tinham relação direta ou indireta.

Entre as práticas que unem o leque da feitiçaria Erodiana estão: a prática de necromancia, o voo noturno, o desenvolvimento da mente e do poder de influência, os ritos de mistério e a transmissão mágica textual. Estes não foram uma ordem a ser seguida, mas características comuns que são despertadas ao longo do curso de trabalho com Mama Ombrella e Erodia.


Michael Nefer




segunda-feira, 19 de setembro de 2022

PRAECATIO TERRAE MATRIS - A Súplica da Mãe Terra

Santa Deusa Terra, mãe da natureza, 
que sempre gerou e regenerou todas as coisas;
que assegura a vida das pessoas, árbitra divina,
celestial e marítima, tu reges todas as coisas,
és a causa pela qual a natureza se cala e dorme,
renovas a luz e dispersa a noite:
protetora das sombras de Dis* e do imenso caos;
és a geradora dos ventos, das chuvas, das tempestades,
e, por seu capricho, podes acalmar ou agitar as águas
e dissipar o sol, agitando às tempestades e,
quando bem desejar, faz aparecer aos nossos olhos
o mais radiante de todos os dias.

Com boa-fé alimentas à vida, e quando a alma do corpo esvair,
o nosso refúgio será dentro de ti: tudo o que nos dá, a ti há de retornar.
Você é honradamente chamada de Grande Mãe dos deuses,
pois sua devoção conquistou aos deuses divinos;
Você é verdadeiramente Mãe dos vivos e dos deuses;
sem você nada pode amadurecer e nascer;
você é grande, você é rainha e Deusa dos deuses.
Ó Deusa, eu adoro e invoco seu poder;
por favor, conceda-me o que lhe peço e lhe renderei minhas graças.
Sê tu propícia a minhas obras, eu imploro,
ó Deusa, interceda por mim.

Quaisquer que seja sua virtude, ó erva sagrada,
dê a todos saúde, eu imploro, me conceda seu remédio.
Venham a mim as virtudes de sua medicina,
pois seja o que for que eu faça de ti,
que eu tenha um bom resultado, garantindo saúde a todos
aqueles que recebam de mim suas virtudes.
Eu imploro, ó Deusa, me conceda sua bênção, eu te peço.

 

Pseudo-Apuleio Herbarius, 1487

Tradução por Michael Nefer | 19/09/2022


*Dis: ou Dis Pater, era o deus dos mortos, chamado também de Rex Infernalis.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

O CAMINHO DA SERPENTE: INICIAÇÃO NA COVA NEGRA

✠ ✠ ✠

A Congregação da Cova Negra é um caminho essencialmente solitário, assim como é a Bruxaria. Porém, é possível abordar essa via de aprendizado através de um formato coventicular, isso é, em grupo, de modo a trazer mais compreensão sobre a jornada mística do praticante. Cada célula de estudo da Cova Negra recebe o nome de Covato, palavra que designa um coletivo ou guilda de coveiros, e cada Covato é gerenciado por um Alcoviteiro, aquele que conhece os mistérios da Congregação da Cova Negra e que, portanto, é capaz de realizar corretamente os ritos do Missal dos Mortos.

Aqueles que desejam e anseiam pela comunidade na congregação, não encontrarão impedimentos para construir essa relação com base nas percepções do caminho dos Mortos. Essa via é sempre aberta para aqueles que portam os sinais enviado em sonhos pela Senhora ou Senhor dos Mortos. Esse sinal, que não deve ser revelado a aqueles que não conhecem a voz da Rainha Cadáver, é o elo que une a todos os que passam pela C.C.N. Numa ligação que vai além de toda e qualquer hierarquia, cada encontro é na verdade um reencontro. Seja como mestre ou aluno, voltamos a Cova para manifestar aquilo que descobrimos do outro lado: os tomos de sabedoria que jazem além de qualquer racionalização humana.

✠ ✠ ✠

Quando um buscador recebe em sonhos os sinais e nos comunicamos, uma vez aceito o convite, passaremos por uma longa jornada de aprendizado. Esses conhecimentos que vamos explorar, costumam dar ao buscador a sensação de "já ter vivido aquilo". Essa jornada de relembrar a essência que carregamos faz a semente interior explodir em chamas e se acender com força e vigor no peio do peregrino, dando a ele novamente a consciência do poder luminoso que ele carrega dentro de si. Cada aluno estudará somente com seu mestre, de modo que esse tenha real atenção sobre as necessidades de seu aluno. Uma vez aceito, a jornada procede de tal forma e aspecto:


1. O LUTO: O CASAMENTO DE FOGO E SOMBRAS

Consiste no ato introdutório de dedicação aos espíritos e deuses do caminho da Cova Negra. Esse rito é solitário (mesmo em congregação), e visa atrair e encantar os espíritos de modo que sejam chamados a nossa Arte, criando o elo espiritual necessário para se continuar. O Chamado Casamento de Fogo e Sombras, assim chamado por evocar a fumaça que dá forma aos espíritos, é a primeira de duas etapas. Com este rito forjamos a cama de amor que leva ao assassinato de nosso antigo "eu" para o esplendoroso batismo na Luz Negra da Rainha Cadáver. Essa etapa leva cerca de um mês e meio.


2. O VELÓRIO: A VIGÍLIA DOS MORTOS ANCESTRAIS

Velar significa Vigiar e essa é a segunda parte do ritual do casamento de Fogo e Sombras. Uma vez que o Peregrino tenha feito a correta aplicação do ritual anterior, ele passará pelo período de observação de antes de receber cada ritual seguinte. Através do correto uso desses ritos é concedida uma iniciação secreta através da aplicação do arcano. Essa etapa pode levar até cerca de um ano.


3. O ENTERRO: A PASSAGEM ENTRE A COVA E O ÚTERO

Um ano depois, aqueles que foram escolhidos pelos espíritos do caminho receberão em seus sonhos as mensagens para começar sua jornada apontando os caminhos a seguir depois. O Enterro é essencialmente o ato ritual de cavar um buraco na terra e cobri-lo com terra novamente, com este último ato a Cova então se torna tanto o sepulcro de morte, quanto berço do nascimento. No âmbito conventicular isso é: o buscador passou por todos os ritos centrais da Cova Negra e agora será apresentado diretamente aos espíritos de seu mestre.


4. A EXUMAÇÃO: A REVIVIFICAÇÃO DOS MORTOS

Após a finalização formal do Enterro é feito um este ritual o peregrino passa a ser formalmente um mestre Alcoviteiro, um membro reconhecido e aceito da congregação, capaz de ensinar essa Arte para aqueles que manifestarem os sinais. Neste período buscamos encontrar o Missal dos Mortos, o tomo da Arte Feitiçaria, para que a Gnose de Nosso Senhor Chifrudo e Nossa Rainha da Noite manifestem-se através do praticante - dando luz a nova carne: o relembrar de tudo o que já somos e sabemos na encruzilhada do passado, presente e futuro. Ritos de nascimento e de renascimento são vistos como eventos felizes pelas pessoas em geral, mas tratam-se de verdadeiras tragédias, cheias de dor e lágrimas, desde que renascer é literalmente esquecer, o que mantem a humanidade presa num ciclo sem fim. A Cova busca transcender esse estado de desconhecimento ao aceitar a morta como uma poderosa professora sobre a beleza da vida.

✠ ✠ ✠

Nenhuma dessas etapas deve ser uma obrigação ao mestre ou aluno, sendo preferível sempre seguir o que ditam os oráculos dos deuses e espíritos que podem ver além de tudo e o mais interior de todos. A Cova é um espírito e um coletivo de seres, por tanto é esperado que certos caminhos mudem, que certas trilhas se fechem e outras abram. Nossa arte é experimental, ousada e diversa, a cada pessoa que passa pela Congregação, um novo saber surge ou se renova.


Michael Nefer

27/04/2022

terça-feira, 1 de março de 2022

O CHAMADO DE NIKSAH - A ROSA DO DESEJO

Por Michael Nefer

Niksah, ou Qinasa, é reconhecida em nossa congregação como a mais doce e caprichosa das deusas e espíritos de nosso trabalho. Sua forma é a de uma mulher nua sentada em uma janela, atrás dela, chamas se espalham ao redor, revelando relances de um mundo inferior das destrutivas paixões ardentes. Sua tez é pálida como a dos mortos, uma vez que aquele que cai em suas artimanhas vira um morto vivo, servindo somente a sua vontade e designíos mais sombrios. Esse caminho, entre prazer e dor, abre com ela a via da Luxúria, a qual fomos ensinados a desviar uma vez que esse caminho leva a escuridão que há nela, a dor das paixões; no outro lado ela é perpetuadora do prazer, das alegrias, da felicidade e ajuda os que se amam a se unirem. 

Ela é similar em natureza com Libitina, a deusa do prazer e da morte dos antigos romanos, e até com a Afrodite Epitumba dos gregos, que se deitava sobre as covas. Ela é um espirito jovial, malicioso e malandro, mas de bom caráter, que ainda ensinará muito a aqueles que aprenderem a ouvir com atenção suas palavras. 


 O CHAMADO DE NIKSAH

Fazer fumigações com olibano, canela, ládano e mirra.


Três vezes bate o sino para o mistério dela.

(toque o sino três vezes)

Eu chamo teu nome secreto, ó Niksah, chama de todo desejo, dor e paixão,
Nascida das incandescentes brasas do coração daqueles que sofrem!

ERO SAH NIKSAH

És Branca como Lua mais alta, teus lábios são como rubis, teu brilho é puro desejo. Tua fornalha é perfumada com os doces aromas dos filtros de amor, sua pele tem o aroma das rosas e da noite.

Seus olhos são estrelas na noite, insondáveis, lançando sobre nossas almas teu fogo frio, estremecendo em cada veia de nosso corpo, atirando o meu espírito pelos ares, lançado entre mundos incognoscíveis.

ERO SAH NIKSAH

Teu sorriso, é chama mais fria que gela o coração e o faz bater em disparate. Tuas mãos fazem inundar o mundo e me lançam longe na eternidade num único movimento. 

Todo o meu corpo estremece de prazer e desejo, minha alma queima em sua presença. Esvazio meu corpo e mente e caio em seu abismo vazio, onde nada além do desejo existe, só tua gargalhada tempestuosa a nos fazer dançar para sempre em sua espiral de vento e chamas.

EKO EKO KINASAH
EKO EKO NIKSAH